sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

PARA ALCINÉA CAVALCANTE

Está lá... alcinéiando,
Degustando a dor,
Em um assombroso desvio
Numa parafernália de aço e cobre;
Tomado de uma profunda nostalgia
Naquela sala mergulhada em profundos
Desafios e desacordos;
Em cada letra
CONSTRUINDO
Um trabalhador.


Saudade do antigo GM.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Cartas

Caro amigo,


Apesar das ondas de calor que enfrentei durante a viagem que fiz de Betel (Bete-Áven)* para Nazaré, confesso estar um pouco cansado, motivado claro, pela minha idade que já ultrapassa uma centena de anos. A dificuldade de encontrar sua amada avó tem me tomado por inteiro, e me afastado tanto de você. Amigo, busco não perder de vista às poucas informações que tenho. Ela parece ter se dissipado entre as nuvens. Estou quase adormecendo devido ao longo período de vigília. Anjos também enfraquecem. Hoje é dia 24 de agosto do ano de 2.109, ano do Nosso Senhor. No horizonte, o sol se põe. Entre eles me encontro; a força áurea emana dos olhos, eu, mero mortal, habito a casa do Senhor, como viajante, intruso, onde foi me permitido residir tantos mundos, tenho entre as asas as marcas que carrego da ultima visita a casa de meus pais.
As barreiras do tempo foram quebradas. Como Ela não me deu a oportunidade, partiu na primeira descarga elétrica, transmutando. Tentei em vão puxar os fios de cabelo, acionei em mim as partículas, transformei.
Toda manhã com o sol nascendo perto do mar, trago seu retrato. Pintado no horizonte avermelhado, uma lembrança... Pequena lembrança, o rosto, naquele dia... Envelhecia, cuidava das feridas e das lagrimas, não posso mais continuar vou... Preciso adormecer... O céu coberto de vermelho... É ela... É ela...
* Abraão adorou a Deus naquele lugar. Jacó, depois de um encontro com Deus, deu ao local um nome de signficado especial. Samuel julgou Israel no mesmo lugar. Elias e Eliseu passaram por lá em sua última viagem juntos. Mas, Jeremias disse que Israel envergonhou-se do mesmo lugar. Betel, uma cidade localizada 20 km ao norte de Jerusalém, tem uma história cheia de significado. Faremos bem aprendendo e aplicando em nossas vidas as lições de Betel. (O profeta Oséias explica a mudança "Casa do Nada" ou "Casa de Vaidade"-"...não subais a Bete-Áven..." (4:15); "Levantai gritos em Bete-Áven" (5:8).

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

AFOGADAS; VOZES FEMININAS

para O ESPIRITO DE LANA VARGAS

No principio pensou em dispensar a vida, deitou na cama, ligou o rádio e ouviu que a musica se expandia pela sala sob a forte luz do abajur. Vasculhou as estantes, todas dispostas nas paredes coloridas; a janela entreaberta, uma escuridão de doer na alma. Aproximou-se. Ao lado pendia um corpo de homem. O lençol desalinhado como os cabelos dele, ensaiou algumas palavras amargas, mais não estava em si. Era luz de néon. Olhava-os a dormir um sonho disperso. Não nasceu para ser espelho, queria ser atriz de telenovela como Regina Duarte. É a mazela da vida, ver seu sonho perder-se por entre os caminhos.
     _ Mãe?
Encontrou-a vagando na rua, a vizinhança já desconfiava das atitudes dela, olhavam entre as frestas das janelas. O silencio pairava na periferia da cidade.
     Lana sabia das investidas noturnas da mãe, era uma criança, mais sabia. A esperava toda a noite ou até clarear o dia... a esperava e chorava baixinho, desconsolada.
Do alto naquele dia, foi oferecida, invadida, destruída pela metade. A mãe, antes amada olhava para o jardim sendo pisoteado, destruído. Mas, pensou muitos anos depois quando trafegava na rodovia Hermes Bittencurt, que apesar das moléstias, mãe é mãe.
Freqüentou os melhores colégios. Formou-se professora,  entanto era sua vocação ser atriz. Freqüentou o teatro, fez escola.
Olhando da sacada do apartamento, frente ao mar, precipitava a desmascarar suas personagens imaginárias no palco do Teatro Municipal.
     _ Qual amor não posso esconder, tão sério, tão perene...
     Assim foi a cada dia uma atriz, conquistando espaços entre as luzes do calçadão de Copacabana; ganhava a vida transpirando sexo no corpo. O rico apartamento que possuía veio dos encontros com pretendentes milionários, era o sonho realizado.
Não fora ao enterro da mãe, não se lembrara do rosto, apenas do fato de ser só e de esperar, esperar, esperar. Ver o dia amanhecer e chorar.
Foi de muitos e de poucos. Era insignificante no falar, no entanto chorava a todo o momento; mas conteve-se a dor que dilacerou seu corpo, nem uma lágrima, uma morte lenta que durou por uma noite inteira. Olhava o teto fixo. A luz de néon, as luzes dos holofotes do teatro, as luzes de Copacabana.
Abraçou ao desespero, quando afogada em dor viu a cena repetir-se, relutou, gritou, enfim entregou-se mentalmente a sorte. Maria Clara a beira do mar banhava-se abraçando a espuma flutuante. Aproveitou-se da inocência da menina para retomar a vida. Possuiu-lhe o corpo, invadiu a mente, dilacerou a alma, estuprou o espírito. Maria Clara embebedou-se de luz, caminhou pelo deserto quente, ambígua. Não sabia mais ser. Apenas era. Mas quem era ela?
 Olhou o teto do apartamento viu o lençol vermelho e a colcha de retalhos. Maria Clara despiu-se da inocência, abriu as pernas e sorriu; uma graça de senhora, uma mulher. Olhou bem dentro dos olhos e fendeu-se; era dúbia, senhora e prostituta.