quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

AFOGADAS; VOZES FEMININAS

para O ESPIRITO DE LANA VARGAS

No principio pensou em dispensar a vida, deitou na cama, ligou o rádio e ouviu que a musica se expandia pela sala sob a forte luz do abajur. Vasculhou as estantes, todas dispostas nas paredes coloridas; a janela entreaberta, uma escuridão de doer na alma. Aproximou-se. Ao lado pendia um corpo de homem. O lençol desalinhado como os cabelos dele, ensaiou algumas palavras amargas, mais não estava em si. Era luz de néon. Olhava-os a dormir um sonho disperso. Não nasceu para ser espelho, queria ser atriz de telenovela como Regina Duarte. É a mazela da vida, ver seu sonho perder-se por entre os caminhos.
     _ Mãe?
Encontrou-a vagando na rua, a vizinhança já desconfiava das atitudes dela, olhavam entre as frestas das janelas. O silencio pairava na periferia da cidade.
     Lana sabia das investidas noturnas da mãe, era uma criança, mais sabia. A esperava toda a noite ou até clarear o dia... a esperava e chorava baixinho, desconsolada.
Do alto naquele dia, foi oferecida, invadida, destruída pela metade. A mãe, antes amada olhava para o jardim sendo pisoteado, destruído. Mas, pensou muitos anos depois quando trafegava na rodovia Hermes Bittencurt, que apesar das moléstias, mãe é mãe.
Freqüentou os melhores colégios. Formou-se professora,  entanto era sua vocação ser atriz. Freqüentou o teatro, fez escola.
Olhando da sacada do apartamento, frente ao mar, precipitava a desmascarar suas personagens imaginárias no palco do Teatro Municipal.
     _ Qual amor não posso esconder, tão sério, tão perene...
     Assim foi a cada dia uma atriz, conquistando espaços entre as luzes do calçadão de Copacabana; ganhava a vida transpirando sexo no corpo. O rico apartamento que possuía veio dos encontros com pretendentes milionários, era o sonho realizado.
Não fora ao enterro da mãe, não se lembrara do rosto, apenas do fato de ser só e de esperar, esperar, esperar. Ver o dia amanhecer e chorar.
Foi de muitos e de poucos. Era insignificante no falar, no entanto chorava a todo o momento; mas conteve-se a dor que dilacerou seu corpo, nem uma lágrima, uma morte lenta que durou por uma noite inteira. Olhava o teto fixo. A luz de néon, as luzes dos holofotes do teatro, as luzes de Copacabana.
Abraçou ao desespero, quando afogada em dor viu a cena repetir-se, relutou, gritou, enfim entregou-se mentalmente a sorte. Maria Clara a beira do mar banhava-se abraçando a espuma flutuante. Aproveitou-se da inocência da menina para retomar a vida. Possuiu-lhe o corpo, invadiu a mente, dilacerou a alma, estuprou o espírito. Maria Clara embebedou-se de luz, caminhou pelo deserto quente, ambígua. Não sabia mais ser. Apenas era. Mas quem era ela?
 Olhou o teto do apartamento viu o lençol vermelho e a colcha de retalhos. Maria Clara despiu-se da inocência, abriu as pernas e sorriu; uma graça de senhora, uma mulher. Olhou bem dentro dos olhos e fendeu-se; era dúbia, senhora e prostituta.

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